A saúde mental é a próxima pandemia, mas por que estamos tão esgotadas?
2023: ressaca eleitoral, ressaca pós pandemia, ressaca após onda de desligamentos, ressaca do retrocesso das questões de diversidade e inclusão no mercado. Modelo híbrido, remoto, presencial. Aumento de casos do Covid. Crise climática. Aumento de hiperconectividade, FOMO. Pivota modelo de negócio. Reduz custo. Acelera o áudio. Triplica a meta. Tem que produzir. Tem que aparecer. Ufa, cansei só de escrever e pensar sobre tudo isso!
Nas trocas com mulheres, o que mais tenho ouvido é: “tô cansada de tá cansada, mas tem que entregar isso e aquilo. Bora lá”. Quase como se o processo de exaustão fosse símbolo de status e de sucesso. É como se a gente quisesse fazer mais e melhor o tempo todo.
Ter excelência e aprender a ser produtiva foi necessário para seguir no mercado. No começo eu apostei em dormir mais pra recompensar e de dia vivia acompanhada de um baldinho de café pra fingir/tentar ter mais energia. Doce ilusão.
Aos poucos fui percebendo que eu não era a única a me sentir assim. As empresas cultivam esse tipo de comportamento e os “””coachs””” de Instagram repetem incansavelmente em alto e bom tom aos seus milhares de seguidores: “trabalhe, enquanto eles dormem”. Esse mito da alta performance (e diria até da meritocracia que não existe) diz que precisamos estar constantemente trabalhando e produzindo cada vez mais para sermos realmente produtivos.
Mas essa rotina incessante, onde não há tempo para priorizar outras áreas da vida e até mesmo descansar, faz com que produzam cada vez menos. De acordo com um estudo realizado na Universidade da Pensilvânia, participantes que passaram duas semanas dormindo apenas 4 horas por noite tinham performance similar a pessoas que passaram 48h ininterruptas sem dormir. QUARENTA E OITO HORAS.
Já um estudo da Pulse aponta que 81% dos trabalhadores estão se sentindo esgotados, 60% dos colaboradores relatam não ter disposição para trabalhar, e 67% sentem que precisam provar seu valor no emprego.
Com um recorte de gênero, os números são ainda mais impactantes: 85% das mulheres relataram um cansaço extremo, contra 75% de homens. O que mostra que nós estamos mais sobrecarregadas com as jornadas triplas, tanto que o assunto virou pauta de redação no ENEM recentemente. Sem contar o fato de que somos cobradas de maneiras diferentes.
Se você, assim como eu, for uma mulher preta, há mais camadas para falarmos. Foi publicada na BBC uma revisão científica feita em 2022 de mais de 160 estudos sobre burnout, feita por pesquisadores da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, apontando que mais pessoas negras (30%) são levadas ao esgotamento em comparação com brancos (18%). Ainda de acordo com a matéria, as microagressões e racismo vividos nas vidas profissionais aumentam o nosso estado de exaustão. E o próprio conceito de burnout também nos exclui, não levando em consideração nossas vivências.
Descanso não é perda de tempo, é investimento em saúde mental
Colocando uma lupa no nosso mercado, acredito que nunca ouvimos as empresas falarem tanto de saúde mental, mas me parece que os dados mostram que talvez tais ações não sejam tão efetivas, ou minimamente não levam em consideração recortes de diversidade, para que as soluções propostas de fato acolham os colaboradores. Se essa temática não for prioritária na estratégia das empresas, pode causar danos irreparáveis nos resultados do negócio.
Descansar é diferente de dormir. Precisamos de pausas para reenergizar corpo, mente e espírito. Precisamos de momentos prazerosos, de conexão com outras coisas além do trabalho, sem ficar respondendo mensagens e emails. Quem cria sabe da importância do ócio criativo. Deixar só o final de semana para isso é começar a construir um caminho para a exaustão. Sem contar que às vezes no final de semana são tantos outros cansaços, né??
Então, eu finalizo aqui com dois pontos:
– Como nós, líderes e gestores de empresas, podemos lidar melhor com a saúde mental dos nossos colaboradores? Não me parece que um modelo de negócio desde a revolução industrial ainda faça sentido. São outros tempos, que exigem novas medidas e sensibilização.
– Eu sei que até para o descanso existe um lugar de privilégio, e que ele diminui de acordo com intersecções de gênero, raça etc. Mas é preciso dizer “sim” à você, às pausas. Ao contrário do FOMO, do inglês fear of missing out (o medo de perder algo ou de ficar de fora), trago aqui o conceito de JOMO (joy of missing out), que é justamente a ideia de que “não estar” é legal. O prazer de se permitir dizer “não” quando todos dizem “sim”. Tipo no carnaval, quando parece que você é “obrigada a estar feliz”.
Vivemos num mundo com tanta provocação de estímulos que o dia teria que ter o dobro de horas para darmos conta de tudo que nos impacta. Se você chegou até aqui, espero que possa se acolher no seu processo e refletir como podemos fazer essas mudanças, nem que elas comecem individualmente para então serem propulsionadas de maneira coletiva. Tenho feito o exercício de me permitir seguir meu fluxo, ainda deslizando nos picos muito intensos, mas sabendo que o momento de parar não é uma distração, mas sim uma fonte de energia. E isso é libertador.
Fonte: Meio & Mensagem